OBRAS INVISÍVEIS
Em algumas das viagens realizadas neste ano de 2019 iniciei uma série de obras que estou chamando de “obras invisíveis”. Algumas foram realizadas em casas abandonadas próximas das estradas, mas ainda que estejam em locais que trafegam milhares de pessoas, todos os dias, são quase imperceptíveis.
Luciana costuma lamentar, enquanto fotografa esses trabalhos, o fato de eu produzi-los para “quase ninguém ver”. Desenhos que se entranharam entre as paredes em ruínas esperando pelo olhar distraído de um raro pedestre, que talvez os perceba — ou simplesmente os ignore.
Zona rural de Saboeiro-CE (10/03/2019)
Em frente à casa já sem telhado, abandonada por sua família, o senhor com uma foice na mão me conta que ao todo eles são dez irmãos. Alguns já faleceram. Explica que os galhos na porta são para os bichos não saírem do terreno. A casa fica colada na cerca de arame farpado a poucos metros da estrada. Dela agora saem galhos espinhentos pelo alto, portas e janelas, impedindo a fuga.
O senhor diz que eu posso fazer a pintura e segue, adentrando o terreno, puxando o jumento carregado de capim. Durante o tempo que estive lá, ele passou algumas vezes e acenou tranquilo, sem interromper sua rotina. Somente no dia seguinte, quando a Luciana estava tirando algumas fotos, ele passou e parou para ver o que tinha sido feito.
“Você fez uns galhos”, observou. “E umas pessoas unidas por um fio vermelho”, eu disse e enquanto ele procurava as figuras com o olhar, completei: “São dez”. Ele virou rapidamente o olhar para mim, revelando que tinha compreendido.
BR-222, próximo a Itapajé-CE (30/01/2021)