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DECOMPOSIÇÃO

ORTO

Viajamos pela BR-020, seguindo de Fortaleza para o sertão dos Inhamuns, região da família de Luciana. Ainda era cedo, o sol ainda por nascer. No trajeto ela me mostra as casas abandonadas. Algumas ainda com telhado, outras apenas com algumas das paredes em pé. As fachadas contendo uma porta e uma janela, ou somente uma porta. Avistamos mais algumas casas durante o trajeto até nos depararmos com as ruínas de um casarão no topo de um pequeno elevado. De impulso, decidimos ir até lá.

Paramos o carro no acostamento e caminhamos até a casa. Sem telhado, seus vários cômodos estavam tomados por mato. Somente os armadores de madeira nas paredes desbotadas davam alguma pista sobre quem morou ali. Uma casa sem habitantes cala a sua história. De volta ao carro, ao olhar para a fachada da casa senti vontade de deixar um desenho.

Peguei umas latas de sprays no porta-malas e caminhando novamente em direção a casa me veio a ideia de fazer uma caveira num estilo geométrico, usando poucas linhas. Ao finalizar logo tive a sensação de abrir uma porta. É um tipo de minimalismo que permite infinitas variações. Não poderia parar somente aquele desenho. Seguimos viagem.
BR 020 - Zona rural de Canindé-CE (01/01/2011)


No sertão dos Inhamuns existe o Cococi. Luciana conta que até a década de 1960 foi um dos principais polos econômicos da região dos Inhamuns. Hoje, abriga somente duas famílias. Decidimos ir até lá.
Por estar em período de chuvas a estrada de terra estava com poças d’água e rodeada por uma vegetação mais fechada. Depois de algumas paradas para pedir informação, chegamos ao que restou da cidade. Uma vila de edificações com telhados caídos, tomada por mato.

Contrastando com o ar de abandono há uma antiga igreja bem conservada, com as paredes da fachada recém pintadas e com o seu interior bem limpo. Em dezembro, ali se reúnem centenas de pessoas para a festa de Jesus, Maria e José, padroeiros do lugar. Ao redor da igreja, algumas das casas, ainda conservam o desenho de suas fachadas.

Andando um pouco encontramos o cemitério. Os túmulos são predominantemente da família Feitosa. Nos Inhamuns, escutamos muitas histórias sobre essa família. Um dos túmulos é uma casinha branca com uma pequena porta de madeira desgastada. Pela fresta da porta conseguimos ver o interior tomado por azulejos em tons de azul. A padronagem é hipnotizante. O calor de quase meio-dia também. Saímos do cemitério, faço uma caveira numa pequena edificação e partimos.
Distrito de Cococi, Parambu-CE (02/01/2011)


Voltamos ao Cococi. Período de vegetação seca. Nuvens no céu, mas nada de chuva. Dias quentes. Calor de causar fadiga. Abafado, sem vento. É o clima que precede as chuvas. Fomos de madrugada com a intenção de evitar o sol pesado do final da manhã. Não adiantou muita coisa. O sol mal nasceu e a sensação já era a de um calor do meio-dia.

Essa foi a quinta vez, em oito anos, que fomos lá. Caminhamos pela localidade e adentramos em algumas casas. A igreja continua bem cuidada e as edificações mais deterioradas pela ação do tempo. Algumas foram abaixo. A pintura da caveira desvanecida. Luciana, mais uma vez, fez umas fotos. Eu não senti nenhuma vontade de desenhar nada.

A luz do sol fazia a pele arder. Buscando sombra em uma das casas encontrei um pequeno pedaço de uma fotografia rasgada. Um fragmento de tom amarelo ocre semelhante ao das paredes em ruínas.
Distrito de Cococi, Parambu-CE (21/12/2019)

tempo

Luciana e eu decidimos voltar da região dos Inhamuns para Fortaleza pela BR 404 a procura de novas casas abandonadas para pintar caveiras. Já era final de tarde quando surgiu a ideia de fazer uma longa viagem à noite, sem ter acesso a nenhum relógio, para perder a noção do tempo. Tentamos nos lembrar como a conversa chegou nisso e, sem sucesso, só nos restou rir de nós mesmos.

A conversa enveredou por outros assuntos até que avistamos as ruínas de uma casa. Um pouco mais adiante tinha uma entrada para uma estrada de terra. Parei o carro lá e retornei a pé pelo acostamento. A distância que parecia curta revelou-se maior. A alta velocidade com que os carros passavam ajudavam na sensação da caminhada parecer ainda mais lenta. Quando me aproximei da casa surgiu, quase que instantaneamente, a imagem da caveira que iria fazer. O desenho aconteceu em segundos. Dei uma última olhada e retornei em direção ao carro.

Um senhor de chapéu passou numa bicicleta barra forte, acenei e perguntei as horas. Oito e meia, ele respondeu, seguindo o seu rumo. A noite nem chegou e o tempo já estava embaralhado.
BR 404 - zona rural de Mombaça-CE (03/01/2012)

DESAPARIÇÃO

O dia é agradável, o céu nublado ameniza a viagem, estamos novamente na BR 020 viajando para a região dos Inhamuns. No caminho encontramos casas abandonadas que não havíamos visto na viagem passada. Estavam estas casas habitadas um ano atrás ou, simplesmente, não as vimos? Difícil saber. Se viagens de ida e volta com dias de diferença revelam novidades, imagine viagens com meses de diferença. Seguimos.

Algumas vistas parecem familiares. Paramos num ponto onde eu tinha certeza que existia uma casa onde fiz uma caveira. O mato alto a esconde. Andando um pouco a encontramos. A caveira tinha sido pintada por cima. Agora, uma mancha branca se destacava em meio a coloração amarronzada que as paredes ganharam com o passar do tempo. Alguns pequenos desenhos e textos de cunho sexual e religioso, feitos com carvão, continuavam lá. Somente a caveira foi apagada.
BR 020 - zona rural de Madalena-CE (19/03/2013)

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