Chegar sem nada pré-concebido e se deixar influenciar pelo local.
Realizar uma pintura em um espaço no qual todas as pessoas possam ter acesso.
E depois partir.
Sertão dos Inhamuns-CE (01/05/2013)
O rosto coberto por nuvens
e o corpo enrolado por espinhos
Estamos viajando pela região dos Inhamuns. A região tem me inspirado a fazer uns desenhos de pessoas com o rosto coberto por nuvens e o corpo enrolado por espinhos. Isso de se deslocar e criar em lugares diferentes tem garantido boas surpresas. Deixei alguns desses desenhos em paredes de algumas cidades por onde fomos passando: Arneiroz, Aiuaba, Parambu e Tauá.
Também fiz uma tiragem de 50 cópias de uma gravura com esta imagem e entreguei aleatoriamente a alguns moradores da região. Algumas pessoas perguntam o significado do desenho. Não acreditam quando eu digo que também não sei.
Tauá-CE (25/05/2013)
Obras da série AQUI realizadas em Arneiroz, Aiuaba, Parambu, Tauá (2013), Capistrano, Ocara, Palmácia (2015) e Aratuba (2017)
Um feirante de Aratuba me conta orgulhoso que sua mãe criou toda a sua família vendendo alho. Próximo a sua banca me chama a atenção uma espécie de mural feito em baixo relevo no reboco de uma parede, exibindo uma padronagem irregular. Reproduzo a trama no caderno de desenho. Reproduzo no mural que faço na fachada do clube público da cidade, com a ajuda de com dois artistas locais, Neudy e Emiliano.
O clube fica em frente a praça da igreja. Pessoas param para observar e conversar. Estamos fazendo a textura do mural em tons de azul quando um morador nos conta que Aratuba significa “ajuntamento de pássaros”.
Faço um desenho de uma ave no estilo de um origami na parte superior do lado direito do mural. No lado esquerdo faço a cabeça de uma mulher com tranças. Tranças de alho. Sentado em um banco da praça um senhor acompanha todo o processo. Seu nome é Pizer. Seu pai, Mestre Aristides, já falecido, foi quem fez o mural em baixo relevo.
Aratuba-CE (23/10/2017)
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Uma árvore seca, de tronco e galhos repletos de nós, mantém-se presente naquela rua.
Francinete diz, entre um assunto e outro, que gosta da cor verde. É daquelas pessoas que gosta de manter o humor sempre pra cima. Fala que ali onde mora é tranquilo, que todos se dão bem e se ajudam. À noite, se reúnem na mesa de concreto fincada na rua de calçamento em frente à casa do seu vizinho, o Cipuca, caminhoneiro aposentado que guarda muitas histórias de estrada. Ali jogam baralho e conversam até tarde.
Cedo da manhã, Cipuca já está posicionado novamente em sua cadeira de balanço, na calçada, com o seu rádio portátil AM FM. Músicas e notícias agem como trilha sonora do lugar. Crianças, muitas crianças, circulam pra cá e para lá, de uma casa para outra. Pessoas nas calçadas, varais de roupas também. A rua de Francinete parece uma daquelas que não existem mais.
Quixeramobim-CE (17/09/2022)
A rodovia CE-166 divide-se quando cruza a pequena igreja de Encantando. Cada faixa da pista passa por uma lateral da igreja, deixando-a lá, isolada. Numa das pistas, ao lado da igreja, tem uma casa desabitada que também aparenta dividida ao meio, com duas portas e duas janelas.
O desenho do relevo na fachada forma uma grande cruz no centro que sustenta outras duas menores, suspensas nas laterais. Desenho pessoas sob essas duas cruzes. Estão com venda nos olhos e de seus umbigos saem ramos de espinhos. O reboco caído na parte inferior parece com nuvens. Agora o todo não aparenta estar dividido. Mas só aparenta.
Distrito de Encantado, Quixeramobim-CE (15/09/2022)